terça-feira, 20 de março de 2012

Entrevista de 2005, do AllAboutJazz!

Em março de 2005 o site especializado em jazz fez a cobertura do lançamento do primeiro álbum da Chiara, realizando uma entrevista bastante detalhada sobre o período pré-Berklee e a educação musical que culminou no contrato com a gravadora Verve. Destaque pro amor da Chiara pela música brasileira, mesmo antes de conhecer o país em 2008 :)



De Roma a New York perseguindo a música
por Enrico Bettinello


Aproveitando o lançamento do seu primeiro cd pela Verve, Last Quarter Moon, entrevistamos a cantora Chiara Civello, que nos contou sobre sua música, seus encontros e seu novo disco.

All About Jazz (AAJ): Nos conte teus primeiros passos no jazz, na época em que estudavas na Saint Louis de Roma. Professores, amores, desilusões, descobertas?

Chiara Civello (CC): Encontrei o jazz aos quatorze anos anos, caminhando por uma ruazinha de Monti, em Roma, quando olhei a escola de música Saint Louis. Depois de saber informações sobre vários cursos, me inscrevi para o canto jazz. E ali encontrei Cinzia Spata, uma figura muito importante para mim, porque reforçou o meu desejo de música e aos dezesseis anos me incentivou a fazer uma audição para a Berklee. Um início casual, silencioso. Desde as primeiras vezes que ouvia, o jazz me fazia sentir alguma coisa que somente depois de eu me mudar para os Estados Unidos pude entender: a liberdade. O jazz é um gênero musical que acolhe as imperfeições, as diferenças e as muitas possibilidades de interpretar e interpretar-se.

AAJ: Entre 1994 e 1998 você frequentou a célebre Berklee College: como foi esta experiência de formação, sei por exemplo, que seguir os professores instrumentistas te levou a um enfoque instrumental ao canto.

CC: A experiência em Berklee foi belíssima, não apenas do ponto de vista da formação, mas porque me abriu o mundo. Preferi estudar com musicistas do que com cantores e a aproximação instrumental no estudo do canto foi uma grande escola. Não havendo botões para tocar ou cordas para dedilhar, como em outros instrumentos, tive de educar o ouvido para adquirir uma consciência das notas e das tensões de uma progressão harmônica. Esta foi uma grande oportunidade para me concentrar na natureza do meu som, na entonação e em todas as qualidades escondidas nas cordas vocais, para depois poder chegar ao público com uma vibração pura.

AAJ: Depois você se transferiu para New York e trabalha muito no âmbito latino e brasileiro...

CC: NY para quem estudava em Berklee era um estágio obrigatório, uma prova de fogo. Foi como quando obtive a carteira de motorista, diziam que se aprendia a dirigir um velho Cinquecento podia-se guiar também um caminhão, porque é um carro que não é fácil de dirigir, de guiar. NY é assim, sem piedade, uma cidade que te “cria casca”. Quando me mudei eu precisava trabalhar e o jazz pagava pouco ou nada, e assim unindo o útil ao agradável que comecei a cantar em grupos de salsa e grupos brasileiros, aprendendo espanhol e português.
Foi ali que iniciou um grande amor pela música brasileira, que para mim constitui a sublimação de harmonia, melodia e ritmo, uma música quente, que encontra-se sobre a linha de encontro entre a tristeza e a alegria: a Saudade. Um grande amor que me fez escrever a primeira canção, “Parole Incerte”, uma música que mudou minha vida.

AAJ: Entre tantos encontros fantásticos da sua carreira, estão aqueles com Tony Bennett e Burt Bacharach, nos conte alguma coisa sobre eles.

CC: Cantar com Tony Bennett e Burt Bacharach?? Dois dos quatro momentos mais importantes da minha vida. E os outros dois? O primeiro quando eu nasci, o segundo ... devo fazer um pouco de mistério, não?
Enquanto eu cantava com Tony Bennett me sentia em um filme... até agora quando olho as fotos me emociono. Me chamou para cantar “Estate”, de Bruno Martino, para um de seus próximos discos... já no telefone eu achei que era uma brincadeira, depois veio o carro me buscar para levar ao estúdio, ali eu entendi que era de verdade e que eu estava participando de um pedaço da história ...e foi assim.
Com Burt Bacharach foi como encontrar a canção em pessoa. Eu retornei três vezes à casa dele, na Califórnia, sentada com ele ao piano escrevendo aquela que depois se tornou “Trouble”. Burt é grande, um homem cuja elegância é toda na simplicidade. Com ele aprendi que não se atalha e que não se escreve uma obra-prima em três segundos.

AAJ: Como foi trabalhar com um produtor de grande experiência pop como Russ Titelman?

CC: Russ Titelman foi uma figura chave para o meu crescimento artístico. Ele me abriu os olhos sobre uma parte de mim que nem sabia que eu tinha, me encorajou a escrever canções, depois de ouvir um demo de Parole Incerte. Damos asas às canções juntos. Enquanto eu escrevia ele me emprestava os seus ouvidos,sua experiência e seu entusiasmo para me fazer andar à frente, para crer. Trabalhar com Russ foi uma experiência inesquecível. Creio que aprendi mais com ele na produção deste disco que na escola em dez anos. Russ é um purista do som, um naturalista, e utilizou um abordagem absolutamente live. Em outras palavras, se o ouvinte fecha os olhos enquanto ouve o disco, se pode visualizar na sua salinha, com o violão em uma parte, a voz no centro e o piano em outra, como se estivesse tocando de frente a ele, em uma performance privativa. Lindo, não?

AAJ: Como você escreve suas canções? Inicia do texto ou das melodias, de situações autobiográficas? Quais dificuldades ou facilidades encontrou em escrever em uma língua que não é a de origem?

CC: Sento no piano e vou conforme sinto, como sou tocada. No início não há uma razão absoluta, uma melodia que depois desenvolvo. Na minha caça a melodia eu sofro, fico marcada de suor (como diz James Taylor), sou feliz, fico brava e faço muitos erros... mas cuido para não ficar longe do prazer de fazê-lo, do instinto que me fez escrever as primeiras canções. Adoro levar as idéias para lugares inesperados, com soluções incomuns. O meu principal motor é a surpresa. As minhas canções são absolutamente autobiográficas, mas falam de coisas comuns, música, texto e sentimentos onde todos podem se identificar.
O que é bonito no ato de escrever palavras para mim é levar as emoções para uma dimensão concreta, tangível, palatável e visível.

AAJ: Nos conte algo sobre as músicas deste álbum, quais você acha mais representativas, o percurso que desenham?

CC: Last Quarter Moon fala das estranhas encruzilhadas da vida, onde o ponto de partida encontra o da chegada. Raramente se considera o último quarto da lua, mas para mim é um momento interessante, um momento de incerteza, que evoca um dissídio entre o desejo de renovação e a permanência de elementos passados.

AAJ: O que toca no cd player de Chiara Civello? Há artistas novos que te interessam e com os quais gostaria de colaborar?

CC: No meu CD? Então: Oum Kulthum, a estrela do oriente, Nat King Cole, Vanoni-Toquinho, João Gilberto (Amoroso), Stevie Wonder (Hotter Than July), Sigur Ros, Aldo Ciccolini que toca Debussy, Elis Regina, Simon Shaheen, Richard Julian. NY é uma cidade entusiasmante e única, um viveiro de talentos. Os vários músicos que passam por esta cidade ou que moram, com seus sons, suas diversas culturas musicais, são todas nas minhas canções e continuarão a inspirar a minha música, de um modo ou de outro.